Ciencia

Nicolau tinha ciência das coisas. Sempre foi assim.

E lá está ele, na frente do televisor assistindo entediado a um comercial tosco de pasta de dente. Ao final da propaganda, a seguinte frase:

 

“Comprovado clinicamente”.

 

Ele sorri e marca em sua agenda mental que amanhã é um bom dia para comprar a bendita pasta, afinal, ela foi comprovada por pessoas sérias. Para Nicolau, só tinha validez o que é comprovado em laboratório.

 

- Quando você se sente mal, procura um médico ou um curandeiro? – provocava ele para os amigos mais superticiosos, ou como ele costumava dizer entre quatro paredes, “os imbecis ignorantes”.

 

Positivista ao extremo, Nicolau sabe que a ciência e somente a ciência é capaz de dar ao homem as respostas, ou pelo menos, as respostas verdadeiras.

De resto, tudo é fé e ideologia nascente da mente de homens antigos que insistem porque insistem em ainda caminharem entre os vivos.

Os mortos, aliás, governam mais do que os vivos.

Na concepção de mundo de Nicolau, há um traço em comum entre aquele que vai ler o futuro em uma cartomante e aquele que reza todas as noites para um deus: trata-se de pessoas ingênuas, ignorantes, gente que por este ou aquele motivo não teve acesso aos livros do real conhecimento.

A bíblia? O alcorão? Interessantes historicamente, mas não passam de lendas. Representam o que há de mais arcaico na história da humanidade.

Se não fosse um ritual ridículo e desnecessário, Nicolau bem que acenderia uma vela todas as noites para os deuses da ciência.

Até mesmo para o amor, Nicolau enxergava explicações científicas, fosse no amor entre um homem e uma mulher, ou mesmo no amor de uma mãe para com o filho.

Às poucas vezes que rezara na vida, foi por pura obrigação.

 

- Não existem ateus num avião em queda. – disse alguém para Nicolau no meio de uma animada discussão de barzinho.

- Isso é porque na hora da morte nos apegamos as crendices mais tolas e absurdas. – retrucou Nicolau. – E garanto que na hora da minha morte, será bem diferente.

- É mesmo? Vai rezar para Galileu ou Copérnico, antes de encontrar o deus Einstein?

 

Nicolau ria, sempre ria. Sabia que a fórmula era simples e exata: ele estava certo, os outros errados. Somava para seu conhecimento aquilo que a ciência era capaz de fornecer como matéria bruta; subtraía as crendices, o misticismo e qualquer elemento não palpável.

 

- As coisas não são como queremos que elas sejam. – defendia-se o cético. – As coisas são como elas são.

 

Exceto que, quando mais estudava, mais Nicolau percebia que não há nada de novo ou original em rejeitar por absoluto o lado místico da vida. Suas palavras nada mais eram do que ecos de gente muito mais preparada e inteligente do que ele.

Percebia cada vez mais que a humanidade está numa espécie de transição, caminhando para algum lugar desconhecido. A ciência foi até onde conseguia ir, ao menos no que diz respeito aos grandes mistérios do universo.

A ciência engatinha, a religião diz que já andou o caminho todo, a resposta está ali e só não vê quem não quer.

 

- Que grande conflito é a humanidade. – filosofou Nicolau para seu peixinho dourado. – Em um tribunal, todas as provas são baseadas em evidências científicas. Porém, antes do julgamento, o réu coloca a mão sobre a bíblia.

 

Nicolau é mais um dentre tantos bilhões que passaram por esta terra. Mais um a morrer sem conseguir desvendar nada. Sem que ele próprio aceitasse que as coisas são como são.

Porque se Deus existe, Ele não precisa da nossa crença. Ele é Deus, oras! Seria, É, e sempre será, independente de estarmos ou não aqui.

O Amor não pode ser comprovado clinicamente. Nossos sacrifícios, nossos esforços, nossos erros movidos pelo impulso, nossa natureza conturbada, nossos sonhos, e principalmente, nossa inteligência acima de qualquer outra espécie que tenhamos conhecimento...nada disso pode ser explicado. É como Deus, ou o conceito de um deus: não pode ser compreendido racionalmente.

Vivemos em um mundo tão sistematizado, que até para ser teólogo tem que ter diploma.

É que as coisas são como são.

 

 

Diego Gianni

(03/04/2011)

 
Copyright © 2011 Acontece Curitiba. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por LinkWell.