Ensaio sobre a religião

“No princípio, Deus criou os Céus e a Terra".

Para muitos, essa é a frase que abre o livro da palavra de Deus. Para outros, apenas a primeira parte de um amontoado de lendas, algumas belíssimas, outras terríveis.

Em todo caso, a bíblia é o maior best seller do mundo, e a percepção que cada leitor tem dela depende unicamente da fé. E fé, por definição, refere-se a acreditar em algo sem ter provas palpáveis. Mesmo a respeito disso, muitos religiosos podem discordar. Para eles, a crença em Deus tem base concreta e as escrituras ditas sagradas são documentos que relatam fatos, distantes de imaginação ou parábolas. Se fossemos analisar não apenas as três grandes religiões da humanidade (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), mas também todos os tipos de crenças que existem, veríamos uma enorme contradição. A maior parte do mundo é monoteísta, mas a quantidade de crenças e segmentos de uma mesma religião mostram que, pelo menos aos nossos olhos, Deus está longe de ser “um só”. Várias explicações envolvem a escolha para determinada crença, algumas um tanto subjetivas. Há aqueles que crescem em um núcleo familiar com fortes raízes religiosas, e por isso “sofrem” (não no sentido pejorativo) influência desde a infância. Da mesma forma, o lugar em que a pessoa nasceu e os tipos de cultura predominantes são fortes elementos que induzem as pessoas a terem algum tipo de crença. Ainda assim, não são exatamente escolhas. É claro que qualquer pessoa pode se desvincular de uma cultura familiar e social e mudar radicalmente sua linha de pensamento, mas são exceções que requerem outras respostas. Temos budistas brasileiros, cristãos orientais e franceses muçulmanos. São exemplos de quebra de paradigmas, mas não representam uma maioria em seus países de origem.  O Brasil é um país predominantemente católico, mesmo sendo composto em grande parte por “não praticantes”. São pessoas que se declaram católicas meramente porque crescerem em uma família com essa doutrina. É um dos motivos que levaram as igrejas protestantes a angariarem tantos fiéis nos últimos anos e seguirem crescendo. A previsão é de que em algumas décadas o Brasil tenha uma maioria que se declare protestante. De um jeito ou de outro, o cristianismo continuará prevalecendo para nós, brasileiros colonizados por portugueses que há cinco séculos usaram a espada na mão direita e a bíblia na esquerda. Neste ano de 2010, a revista Época publicou uma reportagem de capa com um título brilhantemente propício: “Deus entrou nas eleições”. Esse título fez referência às tentativas de ambos os candidatos a presidência, Dilma e Serra, ansiarem conquistar o voto do eleitor movido por princípios religiosos. Por isso a preocupação da então candidata Dilma em se desvincular de qualquer imagem pró aborto, por isso ambos os candidatos apareciam dentro de templos e igrejas rezando ou orando - devotos desde criancinhas, aparentemente.  O grande problema disso, mundialmente falando, é que candidatos acabam sendo eleitos não necessariamente pelas suas competências e capacidade de administração, mas sim pelo seu caráter, caráter esse que pode ser hipócrita e não passa de “falar exatamente o que o povo quer ouvir”. Frases como “graças a Deus”, “Se Deus quiser”, “eu peço a Deus”, fazem parte do vocabulário das pessoas. Tornou-se algo tão intrínseco a nossa linguagem quanto dizer “bom dia”, “obrigado”, etc.

E não passam de palavras, mas palavras que quando não são ditas passam uma imagem desagradável ao receptor. Seja qual for à área de atuação profissional, ateus são geralmente vistos como pessoas de má índole, sem caráter.

É como apontar o dedo na cara de uma criança e chamá-la de infeliz porque ela se recusa a acreditar em Papai Noel. Acreditar em Deus só faz algum sentido quando é o que a pessoa realmente sente, seja qual for a razão da sua fé. De resto, Deus não passa de um conceito sem o qual você é visto com estranheza dentro da sociedade.

Não crer em Deus, portanto, torna-se algo “feio”, e para muitos, completamente estúpido.Tomemos como exemplo duas emissoras brasileiras de televisão com competição por audiência acirrada: Rede Globo e Rede Record. A Record pertence ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Há na programação da Record um grande espaço para os cultos e programas evangélicos.

A Rede Globo, por sua vez, dedica parte de sua programação jornalística a denunciar desvios de dinheiro em igrejas evangélicas. Evidente que isso não é uma escolha arbitrária, mas o foco da questão é: Deus também está presente na disputa pela audiência das emissoras, ou no mínimo, “seus representantes na Terra”.Nessa linha de raciocínio, Deus é um conceito usado para medir valores e também poder. Há uma frase clássica pronunciada por vários presidentes norte americanos: “Deus abençoe a América”. Pois é. E o restante do mundo, se tiver tempo. Dividir o “livre arbítrio concedido por Deus” por linhas políticas e geográficas não soa exatamente como uma evolução espiritual.       E já que citamos a evolução, por que não fazer referência ao pai dela? Charles Darwin, para muitos religiosos, tentou eliminar o conceito de Deus com suas teorias a respeito da evolução.

Darwin escreveu Sobre a origem das espécies através da seleção natural, sendo essa a primeira tentativa científica de explicar a biodiversidade natural e o surgimento do ser humano. O que esses religiosos parecem esquecer (ou desconhecer) é que Darwin, além de biólogo, era também teólogo. Algumas biografias descrevem o quanto Darwin sofria por essa questão espiritual. Ocorre que para ele, em seu papel de cientista, interessava descrever não como o mundo deve ser, mas sim como o mundo é.

A grande polêmica que envolve a teoria evolucionista é que Deus não teria criado o mundo de forma premeditada.  O que há de fato é uma “seleção natural”, e se isso não vai exatamente contra o conceito de Deus, certamente atinge o conceito do Deus bíblico (e de qualquer outro deus). O criacionismo não poderia ser explicado com fundamento científico. O Deus descrito no Antigo Testamento e seu sopro da vida sobre o barro no qual criou o homem; a costela retirada de Adão; o fruto proibido; tudo isso só pode ser justificado pela fé. Tentar racionalizar a fé é crer incondicionalmente em todas as mágicas e milagres contidos na bíblia. É como ver um mágico tirar o coelho da cartola e acreditar que ele nunca esteve lá dentro.  Se por um lado, enquanto humanidade, somos todos irmãos (os adeptos da ciência traduziriam essas palavras como “somos todos poeiras da mesma estrela”) por sermos filhos do mesmo Deus, por outro também somos católicos, evangélicos, budistas, espíritas, candomblecistas, muçulmanos, judeus, maçons, umbandistas, testemunhas de Jeová, etc, etc e etc. Sendo assim, ou Deus age por cartilhas diferentes, ou todos estamos muito enganados. Deus não teria nos criado “a Sua imagem e semelhança”.

Nós é que O teríamos criado a nossa...O que explica porque nas escrituras sagradas há tanta violência e contradição.  É possível que, com o tempo, cada vez mais Ciência e Religião caminhem lado a lado.

E afinal, a essência humana não se traduz na luta constante entre a razão e a emoção? Albert Einstein, conhecido como uma das mentes mais brilhantes que já passaram pela humanidade, pai da teoria geral da relatividade, escreveu em notas autobiográficas: “toda a minha religiosidade tem base tanto no sentimento de depressão e desespero, quanto no reconhecimento da futilidade da rivalidade humana na luta pela vida”.

O medo, talvez mais do que o amor, leva a maior parte da humanidade a querer acreditar em algo. Não importa a crença, doutrina ou religião. A fé faz parte de nós. Mesmo não acreditar em nada pode ser um ato de fé, pois representa uma escolha. Talvez tudo seja muito complexo, ou tão simples que não conseguimos enxergar as respostas. O falecido escritor Douglas Adams escreveu em seu livro “O guia do mochileiro das galáxias” uma frase que provavelmente teria fascinado Darwin:
“Não basta apreciar a beleza de um jardim, sem ter que imaginar que há fadas nele?”.
Não poderia ter sido mais feliz. 

Diego Gianni

Do blog www.tracasemcedilha.blospot.com

 
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