Em um dia muito distante, num lugar perdido do leste da Ásia, havia a tribo dos pectativas. Os pectativas eram homenzinhos não muito simpáticos e donos de uma aparência meio grotesca, mas justiça seja feita, veneravam a paz.
Os pectativas não esperavam nada do mundo, tampouco o mundo esperava qualquer coisa deles. Pectativa bom era aquele que não enxergava o mundo como um meloso conto de fadas, mesmo porque nesta época ainda não existia um ser humano imbecil o bastante para acreditar em fadas.
A paz venerada dos pectativas encontrou sem fim quando alguns deles, não se sabe a razão, começaram a sonhar com um mundo melhor. É, um mundo com mais cores, onde ninguém precisava recorrer a brutalidade e ninguém invadia o espaço de ninguém. Um mundo que poderia ser mais bonito.
A essas iludidas criaturinhas, deram o nome de ex-pectativas, ou seja, “aqueles que simplesmente não se conformam”.
É por isso que nos dias de hoje dizemos que temos expectativas em relação a algo.
Porque achamos que a coisa toda pode melhorar.
(...)
Tudo isso que escrevi é uma tremenda bobagem, mas serve para ilustrar com fidelidade o comportamento de Queiroz, dono desta história.
Queiroz fazia questão de não alimentar expectativas em relação a nada, tendo portanto uma “dieta da esperança”.
Se Queiroz no fundo torcia para o próximo domingo ser de sol e ele poder ia para praia, dizia em bom e alto som:
- Aposto que vai estar chovendo. Mas não qualquer chuvinha. Tempestaaaaaade mesmo. Com direito a uma saraivada de pedras de gelo.
E daí, mesmo que chovesse, nunca era uma chuva tão tremenda quanto a que Queiroz havia previsto.
Sendo assim, Queiroz nunca se decepcionava. Com nada.
Se ele tinha um encontro às escuras, seria capaz de apostar sua vida como a mulher só podia ser um bagulho.
- E chata. Irritante. Uma psicopata, quem sabe. Ah, e com herpes.
Então ele ia até o encontro e percebia – para sua “surpresa” – que até que ela era “bonitinha”, quem diria, quem diria...
Era o seu jeito de não sofrer. Se tudo o que estava para acontecer em sua vida fosse a premissa dos piores pesadelos, mesmo nas coisas desagradáveis ele conseguia enxergar o lado bom, já que o lado que não é bom podia ser pior ainda, então não podia ser melhor e...
Ah, é complicado.
Queiroz é um cara complicado. Mesmo quando alguma coisa incrivelmente boa aparentemente caía do céu, ainda assim ele conseguia ser um pectativa de carteirinha.
- Queiroz, amigão! Ganhei duas passagens pra Itália numa rifa. Roma. Hotel nove estrelas. Quinze dias. Topa ir comigo?
Queiroz fazia que ia sorrir, mas freava a tempo e comentava com desgosto:
- Aposto que a Itália é uma chatice.
- Então não quer ir?
- Claro que quero. Mas sei que vou me aborrecer. Sei disso.
Assim Queiroz viveu até seu centenário. Sem grandes alegrias, nem grandes decepções. E mesmo na hora da sua morte, o sangue de um legítimo descendente da tribo dos pectativas falou mais alto.
Lá estava o padre, ao lado da cama de Queiroz, segurando a mão do pobre velhinho.
- Como é o céu, padre? – perguntou Queiroz.
O padre sorriu, pois sabia que em outros tempos Queiroz jamais perguntaria como é o paraíso, não querendo ter expectativa alguma numa possível vida após a morte.
O padre explicou com bom humor.
- O céu é maravilhoso, meu filho.
- Não é meio chato?
- Não, não.
- Não é muito parado?
- Oh, certamente que não.
- Eu não vou me aborrecer?
- Na glória eterna? Por Deus, não! Você se sentirá em paz, sentado em alguma nuvenzinha.
- Eu não quero aprender a tocar harpa nenhuma.
- Tenho certeza que no céu tem outros instrumentos, meu filho.
- Violino?
- Sim.
- Saxofone?
- Sim.
- Bateria?
- Daí eu já não sei. Não garanto.
- E quanto ao portão do São Pedro?
- Que tem ele?
- Será que ele fica o tempo todo aberto?
- Oh, claro que sim...Para abrigar as boas almas que não param de chegar.
Foi então que Queiroz deu um estalo com a língua, revirou os olhos e praguejou no auge de sua casmurrice:
- Deve ter um ventinho encanado da porra.
E depois morreu.
Diego Gianni
(20/01/2010)