Picadura

Trata-se de uma fábula, ou talvez não.

As inverdades desta pequena historieta estão no que se refere à cronologia, posto que aqui passam dias, meses, anos!, e afinal quanto tempo vive um mísero pernilongo? Ínfimas vinte e quatro horas?

Feitas as devidas considerações, tratemos de falar de Pierre, um inseto um tanto incomum.

 

- Inseto é sua senhora progenitora!

 

Pierre nunca gostou de ser chamado de inseto. “Mosquito”, então, para ele era a morte. Era como ser ainda mais rebaixado de sua categoria, porque a verdade é que Pierre sempre quis ser...sempre quis...

Ah, ele nunca soube definir. Sabe apenas que nasceu feio.

 

- Não sou feio! Tenho uma beleza peculiar, apenas isso.

 

Ele se destacava dos outros inset...

 

- Pernilongos!

 

...Ele se destacava dos outros de sua classe. Suas antenas eram plumosas como árvores de natal. Seu bico era de tal delicadeza que qualquer observador tacanho diria que Pierre seria incapaz de chupar.

Sangue, deixemos bem claro.

Não picava os outros senão por mero pudor, e não porque morreria logo depois da picada – como convém a um bom pernilongo.

 

- Não nasci pra picar. – defendia-se. – Nasci para brilhar.

 

E querendo brilhar, usufruir de seu talento nato, Pierre ficou isolado. Os machos caçoavam, as fêmeas o ridicularizavam e Pierre seguia sozinho.

 

- Antes só do que mal acompanhado.

 

Com frases feitas assim, Pierre fingia que não era infeliz. Mas de que adiantava tanto brilho se não havia quem pudesse aplaudi-lo?

Revoltou-se, uma noite:

 

- Querem que eu pique? Pois pico!

 

Escolheu uma vítima ao acaso, um moribundo qualquer na rua. Eis que quando ia desferir-lhe a ferroada, teve um acesso de pânico e pensou:

 

- Assim, sem exame de HIV?

 

Desistiu. Era risco demais só para provar para os outros que ele era normal.

Notando sua imensa tristeza, sua mãe o chamou num canto e segredou ao melhor estilo dramalhão mexicano:

 

- Tenho uma revelação pra fazer.

 

E contou. Tudo. Pierre não tinha seu sangue. Pierre era adotado.

 

- Eu, um bastardo? – choramingou, tremulando suas asinhas.

- Não é bem assim, fofinho. – amenizou a mãe, fazendo cafuné na cabeçorra dele.

- Achei que fosse seu filho! Você me chamava de pirilampo!

- Porque você é um pirilampo.

- Como assim?

- Nunca quis saber por que você é o único da sua espécie que tem uma lanterninha na bunda?

- Achei que eu fosse...especial.

- Você é um vagalume, querido.

- Avá! Eu, um vagalume?

 

Demorou muito tempo para Pierre aceitar sua nova identidade. Quando assim o fez, tratou de espalhar o segredo que não era mais segredo. Caiu a ficha de todos os pernilongos.

 

- Ahhhh...então essa luz é...

- Sim.

- E você não é um...

- Não.

 

Ninguém mais ria dele, ninguém mais zombava dele. Pierre tornou-se um tipo de celebridade entre os pernilongos, e com isso brilhava cada vez mais.

E eram tantos os pernilongos devotos de sua luz interior que o seguiam, que um dia Pierre se encheu e botou todos pra correr.

 

- Se afastem da minha fosforescência, seus invejosos!

 

E voava para longe, sozinho na noite, só que agora feliz.

 

- Brilhar é pra quem pode, não pra quem quer.

 

Tava que era um nojo.

 

 

Diego Gianni

(22/11/2010)

 
Copyright © 2011 Acontece Curitiba. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por LinkWell.