Ralo

Estava no banheiro quando ouvi uma súplica vir do ralo:
- Me ajuda. Me ajuda. Me ajuda.
Era tão insistente, tão redundante, que minha compaixão predominou a estranheza.
- Quem está aí?
Podia ser o vizinho de baixo. Não era. Era algum tipo de vida que esperava tudo, menos ouvir minha voz.
- Você existe!
O espanto não foi com minha resposta, mas sim com minha existência, como se o bizarro do contexto fosse “crer em mim”, e não uma voz vinda do ralo. Éramos então duas personagens confessando o choque de ambas as existências.
Pediu-me socorro de uma maneira apaixonada. Para quê?
- Para tudo. Para os que eu amo. Para os meus sonhos. Primeiro os que eu amo, depois os meus sonhos. Ou será o contrário? Não sei o que pedir, não acredito que você existe, só posso estar esquizofrênico. Cura-me então desta minha patologia!
A conversa passou a me aborrecer. Disse que não sou mágico, tampouco milagreiro. O que podes querer de mim? Também tenho amores, sonhos, medos e o desejo constante de me afogar.
Removi a tampa do ralo.
Segundos depois, saiu de lá uma barata em ziguezague. Não me enxergou, estava inebriada.
Tive nojo. Muito nojo.
Esmaguei-a por amor com aspas implícitas.
E tornei a cuidar das minhas coisas.

Diego Gianni

 
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