Deserdação

  • Um pai pode deserdar um filho...e vice-versa, segundo a jurisprudência.
  • Eu quero deserdar o povo brasileiro. Não quero ser mais parte dele. Não serei mais cúmplice.
  • Aliás, no momento, tenho horror a ser chamado de brasileiro.
  • Posso ser confundido com esse pessoal que votou em Kid Bengala ou em Tiririca. 
  • Não quero ser comparado a um povo que em um clicar de urna fez ruir todo o encantamento de justiça que eu tive ao pintar a cara de verde e amarelo e sair clamando pelo impeachment do presidente Collor por corrupção. Trouxeram ele de volta a um cargo quase igual. Será um senador do Brasil.
  • Kid Bengala, cuja maior apetidão é ter pendurado no meio das pernas uma outra perna e ser produtor de filmes pornôs de qualidade pornográfica, é representante do ilustre povo brasileiro agora. Ao ser entrevistado sobre sua plataforma ousou a responder que política não é seu forte. Está lá por que, então? Enrabar outros deputados? Se for sua plataforma essa, votaria nele.
  • Tiririca, bom, Tiririca não era bom nem como palhaço.
  • O que dizer dele como deputado e Collor como senador. Senador, meu povo !! Quero dizer, meu povo não, seu. Deserdei-o.
  • Quando li na lista dos candidatos nomes como Katiroba, Perereca do Alumim, MC Bandida, Clark Crente, Xuxa Park (juro que são nomes verdadeiros que apareceram nessas eleições) eu já fiquei desconfiado do nível desses, mas são eleições e eleições tem um zoológico de pessoas tentando, mas jamais ousaria a pensar que algum desses teria respaldo do povo, que até, então, eu considerava "ligeiramente" inteligente.
  • Errei. E errei feio.
  • Vendo a proposta desses, a grande maioria sequer sabia o que um deputado faz. E provavelmente continuarão sem saber, pois serão apenas fantoches nas mãos das raposas que comandam seus partidos. Pariu-se um nada com poder aos outros.
  • Chegaram ao fundo do poço e continuaram cavando. Profundamente. 
  • Não falo da disputa para presidente, pois nenhum dos candidatos merece minha defesa, mas precisam entender que o presidente sozinho pouco faz. Ele precisa de uma base aliada e essa é formada pelos deputados federais, senadores, governadores, deputados estaduais e por aí vai. São muitos que precisam de um afago para manter o que um presidente quer fazer.
  • Escrevo sobre como um povo, que reclama, faz protestos, sofre, sobrevive a tantas e tantas coisas, pode dar um tiro no próprio pé.
  • Não quero mais ser chamado como eles, de brasileiro.
  • Posso, ao estar fora do país, ser motivo de chacota. Aliás, novamente, fomos. Grandes redes estrangeiras gargalharam as nossas custas. E elas tinham todo o motivo. Eu riria com eles.
  • Quando era pequeno, ouvia que esse é um país do futuro. Nunca avisaram que o futuro pode ser bom, mas também pode ser ruim.
  • E está, pois agora já é o futuro daquele menino que está virando velho e continua a ouvir apenas promessas, mas o presente se mostra cruel, não comigo, pois me considero "salvo" de tantas mazelas que vejo por aí e por aqui.
  • Visitei um hospital semana passada e, enquanto esperava um amigo médico, pude ver o tratamento dado às pessoas que não tiveram a sorte de poder pagar um plano de saúde. E mesmo esses, com a anuência do governo, fazem o que querem, mudam as regras a seu belo prazer.
  • A saúde pública e quem trabalha nela, talvez escaldados por tantas coisas erradas e porque seus íntimos não foram forjados de maneira correta, tratam aqueles pedaços de carne com vida como um nada. Não há respeito, piedade, compaixão ou amor à profissão. Amor ao próximo beira frase de para-choque de caminhão. Lê-se e esquece-se.
  • Saí de lá pensando que se minha mãe estivesse no lugar daqueles velhinhos e eu visse o que vi, hoje não estaria escrevendo isso e sim sendo estuprado em uma prisão. 
  • Em outra oportunidade, tive que fazer uma viagem e, ao chegar na cidade destino, tive que usar o transporte público. Eu que não entrava em um ônibus há uns três anos, embora tenha andado muito com eles minha vida toda, senti-me como uma massa sovada. Parecia que levei uma surra ao sair de dentro dele.
  • Além de lotado, sujo, mal cheiroso e barulhento, o motorista, que despreza a sua própria vida e a dos passageiros, parecia satisfeito em fazer curvas alucinantes e brecadas onde meu estômago chegava a mais de dois metros de onde eu estava. Um Ayrton Senna dos coletivos.
  • Não é culpa dele. É culpa de todo um sistema que não soube o educar e treina-lo a lidar com vidas alheias, além de dirigir direito e com responsabilidade..
  • E por falar em educar, seria esse o principal assunto a se tratar nessa pífia nota que poucos irão ler.
  • Seria falar o óbvio do povo brasileiro. Não por ser arrogante, mas por não ser surdo e nem cego.
  • O que eu escuto e leio é de corar Jean Piaget e matar de vergonha Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Lourenço Filho, estes últimos, considerados grandes educadores do Brasil.
  • Quando um Renato Aragão, em suas comédias medíocres que fazem inexplicável sucesso, conjuga o "verbo variar" e diz: - Aí varreia !, no dia seguinte o povão todo repete.
  • Porque não repetem as coisas certas? Por que não é engraçado, bonito ou tentador.
  • Não foram talhados para falar o correto e sim o magistralmente errado.
  • Não ensinam, por que não sabem. Não educam, porque não foram educados. Não tem cultura porque ela inexiste ou é não propagada.
  • Não se molda cidadãos de classe, por que nunca houve vontade que isso acontecesse. Uma massa acéfala é muito mais fácil de manobrar, já dizia, o Imperador Romano Vespasiano, ao declarar solenemente a política do Pão e Circo.
  • E um povo sem educação e cultura vota em Kids Bengala e em Tiriricas.
  • O povo brasileiro nunca passou por grandes carestias, desgraças naturais, guerras, todas as provações que muitos povos passaram. Talvez isso tenha feito dele um povo pouco sério.
  • Aqueles que passam pela fome, pela dor, pela saudade, ficam mais fortes, mais unidos, mais conscientes das benesses da vida e acabam por formar uma opinião sobre as mazelas. E sabem distinguir entre uma e outra, acariciar uma e lutar contra a outra.
  • Diz-se que somos povo alegre. Eu digo que são abobalhados.
  • Que digam: Mude-se. Vá embora. More fora e sentirá falta daqui.
  • Sim, falta do "daqui", mas não do povo daqui.
  • Minha vontade é declarar independência do Brasil.
  • Viver dentro de minha casa, envolta por uma cerca elétrica, cheia de alarmes, evitando, assim, que nada de ruim chegue a mim, afinal está cheio de bandidos por aí, nas ruas e nas casas públicas. Por esse motivo muitos coronéis e capitães foram eleitos com votações esmagadoras.
  • Mas, mesmo assim, eu continuaria a ser brasileiro. Por isso quero deserdar o povo. Não quero mais ser brasileiro.
  • Tenho vergonha de pertencer a um povo que opta pelo engraçado e não pelo sério da vida.
  • Um povo que olha só para seu umbigo.
  • Um povo que faz de tudo para não progredir.
  • Um povo que aceita esmolas governamentais em vez de obrigar o governo a abrir mais vagas trabalhista e mais escolas. 
  • Nosso povo é feito de pessoas que educam seus filhos para serem jogadores de futebol, pessoas que não tem vergonha de ver a filha se prostituindo, desde que seja com alguém rico, de pessoas que mostram, com orgulho, suas filhas de dez anos dançando semi-nuas em cima de uma garrafa, de pessoas que são patriotas apenas na copa, pessoas que se orgulham de receber bolsas-auxílio, de pessoas que só reclamam quando lhes é atingido o próprio pé, mas gargalham quando os pés de outros levam bala, de pessoas que jogam lixo pelas ruas e reclamam das inundações, de pessoas que só dirigem a 80 quilômetros por hora quando tem radar ou policiamento, que subornam policiais e acham isso o máximo, de pessoas espertas que estacionam em lugares destinados a deficientes e dizem que é só por um pouquinho, de pessoas que matam pessoas porque sabem que não serão pegas, de pessoas que reclamam, mas que nada fazem para mudar.
  • Um povo que elege senador um jogador de futebol porque, em sua língua solta, disse umas verdades que todo mundo já sabia, mas cujo curriculun nada mais existe do que ser jogador de futebol e um árduo lutador contra pagar pensões para seus próprios filhos. E vira herói.
  • E herói, para mim, é quem deu ou dedicou sua vida a uma causa justa, a uma pessoa, a um povo.
  • E no nosso povo, quer dizer, o seu povo, inexistem heróis. Já pensaram nisso. Não temos heróis a cultuar de maneira unânime. Heróis mesmo, de verdade.
  • Não temos nem santos, apenas beatos e isso por indulgência papal. Pobres, somos apenas o maior país católico do planeta e nem um santinho que não seja um "santinho" de eleição possuímos. E ainda dizem que Deus é brasileiro. Podia ser, até descobriem o Brasil e Ele se mandar daqui.
  • Um povo que tem politicos que dão nomes a verbos. Vamos "malufar", diria um ladrão ao outro.
  • Onde mais encontraremos um lugar onde, ao fazermos uma grande besteira, alguém nos diga que fizemos uma"lulice" ?
  • Um povo que parece não ver casos de corrupção, pois estes, ao serem descobertos, não amedrontam quem neles estão evolvidos e recebem a acusação com escárnio e desdenho, pois sabem que a chance de aparecer um Joaquim Barbosa é bem difícil e mesmo isto me parece garantido pelo governo que não aconteça. Onde já se viu o presidente eleger os juízes do Supremo Tribunal, aquele que o irá julgar se necessário for?  Cartas marcadas, seria um bom apelido para isso.
  • Um povo rico que prefere jogar fora a doar. Um povo com uma elite predadora e uma massa perdedora. 
  • Um povo que é solidario, mas só quando estiver aparecendo na TV, por que se não sabem, a "coisa" é bem diferente longe das câmeras e muitas doações vestem e alimentam os "solidários" e suas famílias.
  • Um povo que vive de novelas. Ninguém mais assiste ao Miss Universo, mas o concurso Miss Bumbum estoura o Ibope. A TV Cultura é um canal que ninguém nem lembra que existe.
  • Um povo que adora emendar feriados e não entende o dano que isso causa ao seu país.
  • Um povo que encontra ídolos em reality shows, mas nem sabe quem venceu um concurso mundial de matemática digno de estar ao lado do Prêmio Nobel. 
  • Um povo que só faz poupança para comprar a fantasia do carnaval.
  • Um povo que não lê. Que nunca segurou um livro para aproveitar seu conteúdo e não para enfeitar estantes. Nossas crianças são capazes de chorar se ganharem de presente um objeto de capa dura, cheio de folhas escritas. Não tem idéia do que fazer com ele.
  • Um povo que não sabe falar a própria língua corretamente. Quanto mais escrever. E quem sabe, muitas vezes, sente vergonha por ser correto.
  • Um povo que prefere a letra de um funk à poesias de Carlos Drummond de Andrade ou Jorge Lima.
  • Um povo que só vai doar sangue para ter um dia inteiro de dispensa no trabalho.
  • Um povo cuja maior ambição é ser funcionário público por que não pode ser despedido e não para servir seu povo.
  • Um povo que tem um governo que só governa sem explicações e boas causas, mas não dirige a nação ao sucesso e a seu bem estar.
  • Um povo que acha que camelô é shopping center e shopping centers não deixam o povo entrar dentro.
  • Um povo que habita um país, mas não forma uma nação, a menos que seja ligada a um time de futebol.
  • Um povo que nunca soube que o nome completo da nação é República Federativa do Brasil, porque não sabe o que é república, o que é federativa e muito menos de onde surgiu o nome Brasil. Uma mera madeira que fica em brasa proveniente de uma árvore que conseguimos extinguir. O que nos deu nome, desapareceu. 
  • Um povo que vota, mas não cobra do eleito e nem acompanha seu desempenho.
  • Um povo que não sabe e não comemora as datas nacionais, mesmo por que essas pouca importância adquiriram.
  • Um povo que vota por brincadeira. 
  • Um povo para o qual votar é obrigação e não direito.
  • Um povo que esquece rápido.
  • Um povo que acha o honesto um tolo, um bobão que não sabe aproveitar oportunidades.
  • Um povo que não é um povo e sim um bando de pessoas, uma corja, uma manada. Apenas uma população. 
  • E você pensa e diz: - Mas eu não sou assim.
  • E eu respondo: Então você, com toda certeza, não votou no Tiririca. 
  • Mas a grande massa, aquela que fez do Kid Bengala um deputado estadual, Tiririca um federal e Collor um senador, é assim. Ela é o povo brasileiro.
  • E eu não quero mais fazer parte dele. 
  • Não quero ser mais ser chamado de brasileiro. 
  • Saudade dos tempos em que se votava em rinocerontes como o Cacareco ou no Macaco Tião.
  • Pelo menos eles não vestiram ternos e foram decidir nossas vidas.
  • Muito melhor estes do que transformar o Congresso Nacional em um picadeiro.
  • Ripp Cozzella
  • P.S. -  Obviamente existem exceções em todos os casos. O problema é que exceção, como a própria palavra diz, é uma raridade.
  • Uma gota em um universo de água.P.S - Citei apenas uns políticos, mas muitos outros existem. Muitos. 
Última atualização em Sex, 10 de Outubro de 2014 11:16  
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