O novo rico




- Manda o troco em raspadinha que hoje eu quero bancar o idiota!


Quem disse isso foi Maneco Glauber, ex – tropeiro, atual peão de obras, futuro ex-miserável e novo ricaço, cousa que o pobre diabo ainda não sabe.
Saberá nesta mesma linha. A próxima é de comemoração.


- Ganhei! Ganhei!


A raspadinha deu três valores iguais, coisa assim de duzentos mil reais, reais que nem pareciam reais, tão utópicos que eram.
Fez-se aquele silêncio de estado de choque na casa lotérica de Curitiba: “como assim ganhou?; Ganhou? Ganhou mesmo?; Quem? Quem ganhou?”.
Oras, ninguém estava ali pra ganhar, ali se estava pra sonhar e nada mais, quem é aquele peão sujo de obras de camisa maltrapilha berrando feito um doidivanas e anunciando aos quatro céus que havia ganhado?

- Ganhei, porra!


Era Maneco Glauber, ex-tropeiro, ex-peão de obras e novo ricaço, que duzentos mil não é de se jogar fora!
Na semana seguinte ao milagre lotérico, muita coisa na vida de Maneco mudou.
Mas não tudo.
Mortadela ainda era uma delícia, quem diria. E sapato é coisa de viado, macho mesmo anda por aí mostrando os dedos – de preferência com a unha do dedão inflamada.
No que diz respeito aos seus hábitos e costumes, Maneco bem que tentou “evoluir”. Agora podia entrar pra alta roda. Pra quem havia sido chutado feito cachorro morto à vida / morte todinha, que mal havia em tentar mudar?
Virou sócio do clube curitibano, o mais chique da cidade de sorriso amarelo. Ônibus? Never more baby, doravante apenas táxis. E sem puxar conversa com o chofer, que tagarelar é coisa de pobre.
O que mudou mesmo foi a volta de Marcinha, Marcinha que tantas vezes pisara no coração de Maneco, ex-tropeiro, ex-peão de obras, ex-desiludido.


- Pensei muito sobre nós dois. - disse ela.
- E...? – encorajou Maneco.
- Descobri que te amo.


Maneco fingiu acreditar, Marcinha fingiu não ligar para os duzentos mil. Fez-se do amor uma transação que, a priori, deixava Maneco num contentamento que só.
Mudou-se com a fiel amada para um bairro nobre, ele mesmo, Maneco, ex-tropeiro, ex-peão de obras, ex-morador do...
Bom, desculpem o palavreado que nem é invenção minha, mas Maneco deixou o cu do Tatuquara e partiu de mala e cuia pro coração do Batel.
Com isso perdeu alguns prazeres. Pedir um café preto no Batel não era a mesma coisa. Demorava cinco minutos (ou mais) para vir à mesa uma xicarazinha miúda com um micro biscoitinho de chocolate. Sentiu saudades dos botecos, onde você entra, dá um soco no balcão e brada:


- Um preto sem açúcar!


Era assim que era e não é mais.

Pra terminar a história do Maneco.
que nem vale tanto a pena,
num ou noutro repeteco,
de repente vai poema

Maneco Glauber
Eita nóis, que mundo insano
Das quebradas da Vila hauer
Para o clube curitibano

És esposo de Marcinha
Por quem teve tanta tara
Era tão fria essa vizinha
Para lá de Tatuquara

Maneco agora usa chapéu
Come rúcula e chicória
Maneco mora no Batel
E Batel é outra história

Para as compras de natal
Adeus, shopping Total
Para as compras de natal
Hello, shopping Crystal

Maneco tem tudo
Tudo o que sempre quis
Rico homem sem estudo
Tem tudo pra ser feliz

Mas tem algo de tristeza
Aquela coisa sem nome
Que nos tempos de pobreza
Era simples chamar de fome

Era simples, era simples
Era simples chamar de fome


Diego Gianni
(07/10/2011)
 
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