Ninguém

Sozinho. Cansado de ser sozinho. Muito cansado.
Lucas, vinte e poucos anos, inventou uma amiga imaginária. Amiga, não amigo.
Tinham papos incríveis. Horas de conversa. Sobre tudo. Ciência, política, religião, artes e alguma dose de futilidade que não faz mal á ninguém.


No ônibus, depois da faculdade, Lucas ia imaginando esses diálogos e se deliciava com eles. Aurora (era o nome dela), além de inteligente, tinha um senso de humor aguçadíssimo. Ás vezes, a mãe de Lucas ouvia o filho rindo sozinho no quarto. Gargalhando. Começou a ficar preocupada:
- Lucas! Cê ta bem, meu filho?
Aurora tinha acabado de contar uma piada maravilhosa. Algo sobre portugueses que iam comprar um papagaio holandês, essa Lucas não conhecia. 
- Estou mãe. Não é nada não.
E lá vinha Aurora com outra anedota que fazia Lucas chorar de tanto rir. Aurora era “tudo”, Aurora era...
Começaram a namorar. Lucas contou para os amigos:
- Vocês precisam conhecer a Aurora!
E cada vez que Lucas a descrevia, Aurora parecia ainda mais perfeita. E que corpo, meu Deus, que corpo!
Mas quando alguém insistia para que Lucas a apresentasse de uma vez, a resposta era sempre a mesma:
- Aurora é muito tímida.
Não chegava a ser um defeito, ou pelo menos, não mais do que simplesmente não existir. Acontece que, com o tempo, ela passou a existir. Foi ficando tão real na mente de Lucas, que um dia tiveram sua primeira discussão.
Lucas desabafou com um colega:
- Aurora morre de ciúmes. De tudo.
E tinha motivos. Como concorrer com mulheres de carne e osso? Mas Lucas jurava que a amava, e preocupantemente, amava-a mesmo. Tanto que logo faziam as pazes e voltavam a namorar.
Teve uma certa noite que Lucas apareceu muito abatido na faculdade. Olheiras profundas, todos notaram. Ele não fez suspense:
- Aurora está grávida.
Pelos meses seguintes, Lucas recebeu o apoio de amigos e colegas. Até a família estava envolvida.
- Como que você engravida uma moça e a gente nem conhece ela ainda? – berrava a mãe, histérica.
Passou um tempinho e Lucas, com pesar, anunciou que Aurora sofreu um aborto natural. As pessoas queriam saber detalhes, e Lucas sempre tinha todas as respostas na ponta da língua.
Sua invencionice foi crescendo de tal maneira que chegou ao exagero. As pessoas começaram a duvidar.
- E esta Aurora? Existe mesmo?
Lucas não teve escolha:
- Aurora me largou. Embarcou num cruzeiro. Não sei quando volta. Nem se volta.
No quarto, trancado, Lucas chorava muito. Saudades de Aurora. Saudades de rir com ela.
Saudades de tudo nela.
E mesmo sozinho, mesmo sem ter ninguém, Lucas sabia que o tempo que passou com Aurora foi muito mais do que muita gente tem em uma vida inteira.
E ninguém poderia entender isso. Ninguém.


Diego Gianni 
(18/03/09)
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