- A Cidade das Nuvens
chocou-se então
com o destino do Rubens
e os que estavam no avião:
“apertem os cintos
e reclinem as poltronas.
Ave Maria, mãe de todo o cardume,
rogai por nós pescadores
que é a hora da nossa sorte.
Amém!”.
E quando a terra foi ficando mais perto
não foi o chão que se viu.
Foi a Cidade das Nuvens.
“Bem-vindos a Cidade das Nuvens!
Aqui não há taquicardia,
nem noite, nem dia.
Os sucos são à vontade:
graviola, jenipapo e cajá
e o que mais seu coração lembrar”.
Pelos auto-falantes,
de anjo em arcanjo,
a mensagem foi passando
ao instrumental de um banjo:
Os passageiros do 747
ainda acham que tão voando!
Eles zoiam pelas janeletas,
as quais se dispensam lunetas,
para bizoiar o sol.
Deu pane! - dir-se-á a caixa preta,
mas foi a morte que lançou o anzol,
caindo todas na mesma rede,
o mesmo copo pra muita sede.
Só o piloto percebeu
que entraram na Cidade das Nuvens,
pois o avião ia mansinho, subindo,
sem motor, turbina ou foguete,
e o céu, de um azul tão lindo,
que chovia claves de um clarinete.
Assim zunindo foram-se indo,
a passagem para alguns tão natural,
que já escaparam pro lado de fora,
cristãos, não cristãos e ateus
saltando pelas nuvens afora
para encontrar o cordeiro de Deus.
Houve quem rezasse baixinho.
Ouve (tu ouves?) quem chorasse as mágoas,
e um infante que lamentava as malas
que giravam pela esteira terrestre
tão longe da esfera celeste.
Um distraído olhou pro lado
e estrebuchou:
- Uia! Quede o avião?
Um pena branca elucidou:
- Estrupidou-se lá embaixo,
foi-se com vós capinar no chão.
- Mas que diacho!
Neste foi-se ou não foi-se
ficou-se a foice.
E agora, como me acho?
- A alma sobe - disse o anjo zombetão -
o corpo vai pro despacho.
- E nessa, onde eu me encaixo?
- No céu, no inferno ou no “sei não”,
que é donde ficam os sucos mais amargos:
tem tamarindo e groselhado,
pitanga, açaí e aspargo...
E cortou o papo de anjo,
que já extrapolara um bocado.
Em meio a toda essa dança,
só um se culpava.
Guri, piá, moleque, criança,
um menino da cadeira “dois gê”
se remoía condoído no
“o quié que eu fui fazer?”.
Pois quando o piloto avisou:
“desliguem todos os aparelhos eletrônicos”,
o garoto não quis desligar seu brinquedo.
Esta é sua culpa.
Seu terrível segredo.
Um tamagotchi no bolso esquerdo
que dependia dele pra comer,
pra dormir, sorrir e se entreter,
em suma, viver!,
e nesse viver veio o suma.
Minha culpa! – confessou a um anjo torto.
Este riu e lhe jurou:
- Não é sua.
- Mas tá todo mundo morto!
- Ora, e tu não sabes
que existe a hora
e a vida passa numa viagem?
A única coisa que teu brinquedo quebrou
foi a rima desta poesia.
O menino esperto riu e lembrou
que o avião ia para Bariloche.
E o avião ainda voa por aí
com os que não querem aceitar.
Ah, vida de pouca clemência,
insana e passageira,
sem saída de emergência.
Mas paciência!
Neste onde, como e quando,
os passageiros do 747
ainda acham que tão voando.