'Madrugada'

Veio o som do telefone distante, quase inexistente. Lívia sonhava com Cauby ao pé da cama a entoar “Conceição”, Cauby morreu há pouco e o corpo nem esfriou.
Lívia dorme de meias em noites geladas. Ela flutua sonâmbula até a sala de estar, num destes apartamentos antigos com janelas imensas, bidês e desmemorias.
Lívia está sentada no sofá da sala e não sabe disso. Nua, só com as meias, abraçada aos joelhos, um quadro erótico ao olhar de um terceiro. Lívia mora sozinha. Mas não está sozinha.
O telefone volta a tocar, ela estende o braço nu e agarra o vazio. Não em vão. Os dedos longos de outra mão tocam o braço de Lívia. Já não há o som do telefone, o que ela ouve é uma cigarra cantá-la. Lívia. Lívia. Lívia. Seus olhos abrem por uma eternidade, sua boca sente a saliva amarga e o olfato aspira ao hálito de alguém.
Lívia está sentada no sofá. Na sala. A luz vem de fora e não basta. Está frio. Aquele frio que repele até os vampiros. Há a sensação de que o telefone tocou. É madrugada.
Lívia não está sozinha.

Diego Gianni

 
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