'O palhaço morto'

Sisudo. Cancarrudo. Filho da puta. Diógenes manteve os adjetivos também na morte. Ou quase. Assim seria se o octogenário não tivesse lacrado documento em cartório oficializando seu derradeiro desejo: ter o rosto pintado como o de um palhaço.
- Este filho da puta nunca teve senso de humor. – diz a própria viúva ao canto da capela que só não está vazia porque não é um Diógenes qualquer. É o senador Diógenes.
- É o último castigo deste corno pra todos nós. – sussurra um sobrinho suplente para a prima recatada que esconde a herpes da família e destas linhas. – Envergonhar o nosso sangue!
Ela faz que sim enquanto belisca um canudo de maionese ofertado pela tia Soraia, irmã pobre da Eloíse sem H que teve um colapso fulminante da válvula mitral no quinto gol da Alemanha contra os canarinhos na copa das copas.
O senador nunca foi interessante, nem na vida pública e muito menos na privada. Agora é. A imprensa se delicia com o grotesco da cena, enquanto todos, entre flashes e burburinhos, se alimentam da mesma pergunta: “por quê?”.
Ninguém consegue elucidar a questão. A mais sincera, quem sabe, é uma bisneta infante que se aproxima do caixão com um pirulito, mira o rosto pintado do cadáver e comenta no silencio que se fez a este clímax da consternação tabloide:
- Mas ele nunca me fez sorrir!
Uma última piada para quem jamais fez uma, diz um. Piada é ele ter sido político, diz outro. Piada seria ele não ter sido, diz alguém. O rancor é mútuo. A graça é nenhuma.
A única presente a carregar uma possível luz não será sondada e nem vista por ninguém. Sem ter coragem de se aproximar do defunto, à porta da capela uma senhorinha de idade avançada contempla com pesar o palco da morte cuja estrela é o senador filho da puta. Mas nem sempre foi assim.
Sem nada a dizer, a anã se afasta. E nem ela consegue chorar.

Diego Gianni

 


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