Incontinência de Paulo Wainberg

Num instante, pouco antes de adormecer, milhares de pensamentos me torturam, outros me agradam, nenhum me deixa.

Os que acho bons, marco psiquicamente para não esquecer amanhã e… esqueço. E amanhã eu prometo que vou anotar, que não vou confiar na minha memória e, num instante, pouco antes de adormecer, juro que daquele bom pensamento, amanhã eu não esqueço.

E de novo.

Outros pensamentos, sobre os quais não faço qualquer anotação psíquica, estão bem ali, na hora em que acordo, como se tivessem pairado sobre o meu sono e, é bem capaz, interferido no meu sonho.

Ontem, num instante antes de dormir, senti inveja de Paulo Coelho. “Ridículo”, pensei e fui para os outros pensamentos e hoje, quando acordei, estava ele ali, me olhando firme e com cara de gozador, o pensamento pré-sono me respondendo antes mesmo de ir ao banheiro: “Ridículo por que?”

Mesmo sonolento, entendi a pergunta e logo vi que o assunto era a inveja que senti do Paulo Coelho.

Não acho que precise ter inveja dele, não gosto do que ele escreve, como ele escreve, portanto não quero ser um escritor como ele. Da fama também não pode ser, porque não quero ser famoso como ele, pelas razões que fazem dele um famoso. Da vendagem dos livros dele?, talvez, embora não pelas mesmas razões.

Enquanto desenvolvia os pensamentos decorrentes daquele pensamento origina, “Ridículo”, percebi que a inveja que senti dele, pouco antes de adormecer, tinha desaparecido. Entretanto, eu estava intrigado, não com o desaparecimento e sim com o surgimento. O que e levou a sentir inveja dele, pouco antes de adormecer?

Propus-me que tudo o que me consciente negava, meu inconsciente afirmava, logo eu queria, inconscientemente, ser um escritor como ele, escrever o que ele escrever, ser famoso pelo que ele escrever e vender a quantidade de livros que ele vende, graças ao que ele escreve.

Logo deduzi que se meu inconsciente fosse tão racional eu seria um caso raro para a psiquiatria, meu consciente e meu inconsciente fundidos num único tópico da psiquê, transformando os meus conflitos, dúvidas, neuroses e psiquipatologias aderentes, numa questão de razão pura.

Eu teria desvendado o mistério do inconsciente!

Mas não, claro que não, resolvi abrir a defesa de vez e admitir que a inveja que senti de Paulo Coelho era genuína, apenas abafada pelo meu ego arrogante e meu super ego prepotente, os dois sob os quais vivo disfarçado.

Aceito que quero ser famoso como ele, vender tantos livros quanto ele, ser lido e mais lido do que ele e, também, sem nenhuma vergonha na cara, ganhar tanto dinheiro quanto ele.

Espero, com isto, acalmar minhas internalidades – ou significâncias – para ficar em território neutro, respeitar minha inveja ( esta e outras) e, como consolo circunstancial, dar de barato que, se como escritor, Paulo Coelho é o que é, como letrista do Raul Seixas ele foi genial.

O pior de tudo é que não consigo lembrar um pensamento muito bom, que tive instantes ontem de dormir, e que anotei psiquicamente para não esquecer, ao acordar.

Última atualização em Seg, 06 de Agosto de 2012 13:30  
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