A vizinha

Ela gosta de provocar. Ou talvez não. Ele é um pervertido, ou talvez não.

Talvez sim, talvez não, as dúvidas resultam da distância entre os corpos. Cem metros precisamente o separam dela, e se tanto ele quanto ela aqui não têm nomes, é porque estão longe de saberem o nome um do outro.

Tampouco já se olharam nos olhos, e convenhamos, a cem metros de lonjura não dá para distinguir as feições do rosto.

Para ele, não importa muito o rosto dela. É até bom de não enxergar, pois se ele não pode, ela é que também não pode ver o dele. Isso afasta o risco de um dia cruzarem na calçada e ela começar a gritar:

 

- É ele! O tarado! Pega! Mata! Esfola!

 

Cem metros bastam para ele enfiar o nariz na persiana do quarto e espiar a vizinha do prédio da frente. Cem metros são suficientes para enxergar que ela é loira e tem um corpo pra tarado nenhum botar defeito. Pelo corpo, fica também subtendido que o rosto dela também é lindo – e se não é, na imaginação dele fica sendo.

Advogado do diabo, devo dizer que ela provoca. Ah, provoca. O tarado não tem certeza, mas eu tenho. A danada se troca com a janela escancarada e fica rebolando na frente do espelho. De calcinha vermelha, quase sempre, e calcinha vermelha é sacanagem!

Querem saber mais? Ele nem tarado era, só virou depois de avistar a vizinha do prédio da frente pela primeira vez. Tentou ignorar, mas...Pô! Calcinha vermelha, não!

Porém; todavia; entretanto; para não dar nome aos bois (que nem estão nesta história, posto que não há pastos), continuarei referindo-me a ele como “o tarado”, que entrou numa loja de artigos esportivos e pediu para o balconista:

 

- Um binóculo, por favor. O melhor que você tiver.

 

Comprou um que tinha um alcance quase que astronômico. Custara os olhos da cara, mas conseguiria espiar até o útero da vizinha do prédio da frente.

Voltou para o apartamento e foi direto para a janela dos pecados. A vizinha não estava no quarto.

 

- Droga! – praguejou, ansioso para ver o rosto dela e outras cositas mais. – Mas tudo bem. – acalmou-se. – Mais de noite ela aparece. Ela sempre aparece.

 

Não apareceu, e com isso ele teve a maior crise de insônia de todos os tempos, uma vez que não pregou os olhos um instante sequer na esperança de que ela aparecesse. Pior do que isso: teve ciúmes, imaginando onde ela poderia estar e, principalmente, com quem.

No dia seguinte, durante o decorrer das horas, nem sinal dela. Ele ficou de plantão na janela feito um cachorrinho tristonho esperando o dono chegar com um resto de comida.

E nada dela. Vem à noite, e nada dela. E mais um dia, e outro dia, e é quarta, é quinta, passa sexta, chega sábado e...

Um choque. Foi o que ele sentiu ao mirar o binóculo na janela da garota. Não era ela quem estava na janela, nem ela nem ninguém. Era uma placa.

 

“Aluga-se”.

 

O tarado mordeu os lábios com raiva ressentida. Como assim, então ela foi embora? Sem mais nem menos? Sem nem ao menos se despedir?

Deu um tabefe no próprio rosto. Era um ridículo! Por que ela se despediria dele, o tarado do prédio da frente?

O melhor era esquecer. Concluiu que estava doente e guardou o binóculo na gaveta das meias.

Tentou afastar sua mente da vizinha, pensar em outras coisas, mas não. Só conseguia enxergar a calcinha vermelha, vermelha, vermelha, o que não daria para ter aquela calcinha em mãos e...

Toca a campainha. Estranhou, porque ninguém o visitava. Abriu a porta e viu um pacote no chão.

 

- Será que... – sorriu, ao imaginar.

 

Mas era só um pacote de biscoitos, da sua tia lá de Minas.

Diego Gianni

 

 

 
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