Dimensões

I.

- Pablo, tudo bem com você?

Admito. Não queria falar com ele. Sabe quando você liga para alguém rezando para que a secretária eletrônica atenda?

Não foi o caso.

- Alô?

- O-oi...Por favor, gostaria de falar com o Pablo...

Silêncio.

- Quem está falando?

- Um amigo dele. Nós estudamos juntos no colegial, faz cinco anos que não nos falamos e...

- Você jura que não sabe?

 

E a pessoa do outro lado me contou. Pablo estava morto. Um acidente de moto, dois anos antes.

Mas nada disso importa, cruelmente falando. O que vale a pena contar é que encontrei Pablo em um barzinho, meses depois de eu saber que ele tinha morrido.

 

- Pablo? É você mesmo?

- Rapaz! Há quanto tempo!

- Não pode imaginar o quanto estou surpreso em te ver.

- Eu também!

- Não, você não entende...Liguei pra sua casa e me falaram que você tinha morrido.

 

Pablo caiu na risada. Eu não sabia, mas havia ali um motivo a mais para sua aparente alegria.

 

- Acabei de realizar um sonho. – contou-me ele. – Comprei uma moto.

 

Claro que, a esta altura, eu já havia suposto que meses antes havia telefonado para o número errado e alguém muito sem noção me passara um trote cruel.

Eu estava enganado.

 

II.

A história toda com o Pablo foi o primeiro sinal. Quantos sinais são precisos para entendermos o que está se passando?

Três, no meu caso.

O segundo aviso veio na forma de uma carta. Minha esposa me escreveu, o que sem dúvida era muito estranho, porque eu nunca fui casado.

O papel da carta tinha um perfume que me era familiar, ao mesmo tempo que não era. Ele provocava algum tipo de reação no meu cérebro, mas nada equiparável às palavras escritas.

Palavras de amor, de saudades e um lamento por estarmos distantes.

Junto com a carta – e foi isso que me impressionou de verdade -, uma foto de nós dois. Eu, abraçado e feliz com uma mulher que nunca havia visto em toda a minha vida.

Mais uma vez, alguém estava brincando cruelmente comigo.

E a montagem era realmente perfeita, pois eu nunca havia me visto tão feliz ao lado de alguém.

 

III.

 

O derradeiro sinal foi digno para um São Tomé. Eu simplesmente me vi.

Estava no parque jogando bola com um garoto que tinha os meus olhos. Aproximei-me com cautela, mas só enquanto não percebi que ambos não podiam me enxergar.

O garoto tinha os meus olhos.

 

- Vamos embora, está esfriando!

 

Ela veio e beijou levemente nos lábios. Bom, não exatamente os meus, mas os dele. Eu parecia feliz, e aquilo não era montagem.

Pelo contrário.

Era tão real, e tão melhor, que naquele momento me questionei se a minha vida (ou o que eu suponho que seja a minha vida) é que não passava de uma ilusão.

 

IV.

Os caminhos da vida escorrem como água em uma pia de cozinha. Pequenos passos que damos inconscientemente trazem múltiplas consequências.

 

Ninguém sabe o que poderia ser, se...

Ninguém sabe o que não precisava ser, se tivesse...

 

Seguimos tocando nossas vidas, rezando para que nossas escolhas tenham sido as melhores possíveis.

Meu dom, ou minha maldição, foi poder enxergar as outras dimensões da minha vida. Algumas invejei, outras me enterneci por estarem distantes.

Mas há uma em especial que me machuca...

 

Vejo um casal abraçado, sentados no banco da pracinha. Estupidamente, jogam pipocas para as pombas, esses malditos ratos com asas.

Ele passa a mão pelo rosto enrugado dela. Os olhos dela continuam jovens, com aquele brilho que não se perdeu.

Eles ainda parecem se amar.

Eles nunca deixaram de se amar.

Eles se beijam sem pudor, ignorando completamente que estou a um palmo deles.

Para o bem deles, eu nunca existi. Eu, que sempre evitei me apaixonar.

 

Começa a chover, suavemente.

A água molha o rosto dos velhinhos, que deixam a praça. Abraçados, seguem sem olhar para trás.

Tem água nos meus olhos.

 

 

Diego Gianni

(09/12/2010)

 

 
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