Gostava de fanfarronar. Bentinho tinha sempre na ponta da língua uma bravata, uma façanha, algo que valesse a pena narrar ao menos entusiasmado dos ouvintes.
- Quando nasci, rodei meu cordão umbilical e lacei a enfermeira mais potranca daquele recinto, tchê!
- Não me diga, Bentinho.
- Pois já disse. E digo mais! Nove meses depois aquela gazela paria meu rebento. Pôs o nome de Bento II. Cousa de imperador, barbaridade!
Bentinho era tão convencido que os amigos recusavam-se a chamar-lhe de “Bento”, ou num extremo, “Bentão”. O diminutivo posto propositalmente no nome era para tentar arrancar-lhe tanta fanfarronice. Mas que jeito pra isso!
- Podem me chamar de Bentinho. Sou mesmo um toquinho de gente. Como foi Napoleão. Como foi Alexandre, que de grande só tinha o nome. Se sou brilhante com 1,60, sabe-se lá que barbaridade eu seria com uma régua a mais! Deus sabe o que faz.
Era de se ver. Bentinho até que sabia que o mundo não girava ao redor de seu umbigo, mas isso porque ele tinha labirintite e enjoava fácil.
- Corto água na ponta da faca e dou nó em oxigênio, que de gênio nada tem. Já pulei corda com cerol e amputei pé de moleque. Costurei cabeça de mula sem cabeça, dei rasteira em saci e comi rabo de sereia.
Quando algum irritadiço lhe pedia “provas, provas, provas que é bom nada”, Bentinho ficava feito cavalo louco e terminava a discussão na base do coice.
- Vê lá se tenho que prová macheza! Só se for pra senhora tua mãe!
Conterrâneo de Vacaria, sua maior frustração é saber que estátua sua em praça central, só depois de sepultado.
- É que nem nome de rua, que só dão pra morto.
- Sarney tem nome de rua lá pro Maranhão, Bentinho. – provocava um.
- È que Sarney nunca cruzou meu caminho. Arrancava-lhe cada fio daquele bigode no tapa!
Não era má pessoa, mas certamente um intragável, que mesmo na hora da morte – que chega até para os mais dos mais dos mais do mundo, fanfarronou.
- Eu fanfarrono, tu fanfarronas de besta, ele fanfarrona de alegre, nós fanfarronamos - mas só eu que fanfarrono -, vós fanfarronais de bagual que é e eles fanfarronam porque não me conhecem.
Era assim que conjugava, conjugou a vida toda. Da soleira da porta, o padre sussurrou:
- Confessa seus pecados antes de partir, meu filho.
Não confessou, não tinha pecados. Escarrou para o lado e disse com voz gemida:
- Tragam-me os dois maiores bandidos deste resto de mundo, quero um de cada lado desta cama pra eu morrer como Jesus Cristo.
Não obedeceram e pouco importa, pois o mal estar passou e ele ainda pode fanfarronar mais um tempo, errante nesta vida sem sentido. Perguntavam-lhe os curiosos:
- Tu ficaste em coma, Bentinho. Alguma lembrança do céu?
Fanfarronou, como de costume. Disse que os anjos ficaram intimidados com sua presença divina e fizeram uma gambiarra que o despachou pro quinto e o sexto dos infernos.
- Alguma lembrança de lá? – insistiu uma freira beata por falta de ter com quem conversar.
Para não perder o hábito e nem levantar o dela, Bentinho fez bochecho com água benta, cuspiu no chão da praça e (é preciso dizer?) fanfarronou para a bondosa freira:
- Cruzei com o capeta.
- E como ele é?
- Um viadinho com complexo de corno. Dei um pau nele.
Dizem que mais tarde ele engasgou com um pastel de feira e partiu de uma vez. Dizem.
Diego Gianni
(02/03/2011)