Se Fernanda ouviu 1.796 vezes a frase “eu te amo”, Albino ouviu respectivamente o dobro as seguintes palavras:
- Deixa de ser grudento!Na ocasião, Fernanda ainda nem Nanda era, era só Fernandinha. Albino era Bino, seu coleguinha do primeiro ano do primário que não desgrudava dela.
- Vô casá com você! – dizia ele, repetindo a frase de algum lugar.
- Sai daqui, seu nojento! – irritava-se Fernandinha, que cinco anos depois estaria com ele de joelhos a sua frente.
Ela arregala os olhos e diz, mais surpresa com sua própria resposta do que com a ocasião em si:
- Aceito.
Aceitou e agora eram Al e Nanda, namoradinhos do colegial. O começo do namorico (pois há algumas décadas ainda existia namorico!) transcorreu as mil e uma maravilhas, demorando o tempo de três meses, duas semanas e 28 dias para Nanda desabafar com uma amiga:
- O Al não larga do meu pé!
- Ai, ele é ciumento?
- Ciumenta sou eu! Ele é um grudento, isso que ele é!
- Ai, que saco.
Terminou com ele pouco mais de uma semana depois, porque quando brota uma ideia na cabeça da gente, ideia que nasceu pequenina, depois cresce e vira monstro que não deixa dormir.
- Eu te amo, Nanda! Não me larga!
Ela ficou com as bochechas coradas e sussurrou para Al:
- Pare com isso! Um homem de verdade não devia se humilhar!
- Mas eu te amo!
- É a segunda vez que você fica de joelhos diante de mim. No pedido de namoro e agora. Está pensando que sou alguma deusa?
- É! É sim! Mil vezes que é!
Ela resolveu dar mais uma chance para ele, ou melhor, para ambos, pois ela queria ser feliz (que grande novidade) e realmente gostava de Al, que agora já não é mais Al, mas sim Albino, que se ajoelha diante de Fernanda em um restaurante chique rodeado de clichês fascinantes e diz para sua amada com os olhos marejados:
- Casa comigo?
Ela é durona, sempre foi, e não queria por nada deste mundo chorar com as pessoas do restaurante olhando. Mas foi inevitável. Fernanda se lembrou daquele garotinho grudento que cantarolava:
“Vô casá com você! Vô casá com você!”.
- Aceito. – disse com a voa embargada.
Ele gritou de alegria, sem pudor nenhum, a agarrou e girou pelo ar. Todos aplaudiam enquanto ela, tímida, sorria e dizia baixinho, no ouvido dele:
- Você me paga por essa.
Tal e qual início de namoro ou namorico, os primeiros anos de casados foram um sonho. Só que...
- Albino é grudento. – comentou Fernanda para a mulher que lhe fazia as unhas. Só que não era uma reclamação, era apenas um comentário ranzinza e com certa doçura. Tanto é que as unhas estavam sendo pintadas de roxo, não por acaso a cor preferida do maridinho.
Os três filhos que teriam pintaram na área nos primeiros cinco anos. A queridinha de Al era a caçula, mas isso porque ela tinha o mesmo jeito petulante da mãe.
Como acontece em todo casamento (dizem por aí), após alguns anos a paixão do casal esfriou, mas o amor permaneceu. E Al não deixou de ser grudento.
Ela dormia (sempre) do lado esquerdo da cama, mas exceto nas noites de verão, Albino “invadia” o território da esposa e teimava em dormir abraçado.
- Sai, grudento! O lado esquerdo da cama é meu!
Tornaram-se velhinhos bem grudentos também, e aqui já estou pulando várias e várias décadas. Gostavam de andar por aí, não muito longe de casa e com aquela sensação no peito de que o dever foi cumprido, de que a vida foi boa e que valeu a pena viver...
E num dia triste (porque nós não temos aquela coisa oriental de “celebrar” a passagem), já não existia Bino e Fernandinha, nem Al e Nanda, nem Albino e Fernanda.
Só existia ela, de preto, sendo amparada pelos entes.
- Ele foi um bom homem.
Era o que todos falavam, mas o pensamento de Fernanda estava longe, muito longe, pois agora levavam o caixão e ela só conseguia pensar com toda a tristeza do mundo:
- É a primeira vez que ele sai da minha cola.
Foi levada para casa pelos filhos, que inutilmente insistiram para que ela não ficasse sozinha.
- Eu vou ficar bem. – disse ela de forma firme, como sempre. Durona, os filhos nunca viram a mãe chorar (“mas reza a lenda que quando o pai pediu a mão dela, ela derramou uma lágrima, e coisa e tal...”).
Sozinha na enorme casa, não pelo perímetro, mas sim pela sensação, a senhora Fernanda tomou um calmante, foi para o quarto e se deitou.
Teve sonhos com um menininho pentelho.
Vô casá com você! Vô casá com você!
Dormiu do lado esquerdo da cama. Como sempre.
Diego Gianni
(07/01/2011)