Não foi a primeira vez que Marina entrou em casa de cabeça erguida e uma ideia dentro dela.
Tinha uma opinião formada . Pesara os prós e os contras. Havia decidido.
Mas eis que, quando ia abrir a boca (e não era a primeira vez), Jorginho soltava a matraca.
- Como você está, meu amor?
- Jorge, precisamos conversar.
- Claro que precisamos! Semana que vem faremos um ano de namoro! O que vai ser?
- Como assim?
- Uma festa? Uma viagem? Um jantarzinho íntimo? O que vai ser, benzinho?
- Olha Jorginho, eu...
- Um jantar, não? Aposto como você prefere um jantar.
- Na verdade eu...
- Então está decidido.
E daí, tanto faz e tanto fez o que Marina queria ou não falar. Suas idéias se dissipavam como nuvens e suas palavras morriam sem ao menos conhecerem o mundo além da boca.
E passava a semana, transcorria um mês e num ir e vir de leste a oeste, Marina pisava no doce amargo lar disposta a cantar uma canção que faria Jorginho sofrer sim, por certo, mas que jeito? Ela tinha que ser feliz. Tinha que pensar nela.
Tinha que abrir a boca.
- Jorginho, tenho que te dizer uma coisa.
- O que, meu amor? – disse ele com uma doçura caprichosa, ênfase na palavra amor, tornando-a de substantivo para adjetivo.
- Não vai ser fácil.
Então Jorginho desviou os olhos e do nada notou uma mancha horrível na parede.
- Precisamos pintar estas paredes!
- O quê? – balbuciou Marina, confusa.
- Estas paredes deveriam ser brancas! Que tal sairmos agora para comprarmos um ou dois galões de tinta?
- Jorginho, eu...
- Prefere outra cor? Tanto faz, amor! Você escolhe!
E a casa ficava linda pouco depois, sem mancha alguma nas paredes, um violeta claro escolhido com melancolia pela própria Marina calada.
Era a cor da sua tristeza.
E num outro dia qualquer, para frente ou para trás que a gente já nem sabe mais, Marina tentou ser mais incisiva.
- Jorge!
Chamou ele de Jorge, coisa que não costumava fazer. Ele fez que não ouviu.
- Diz, meu amor.
- Podemos conversar?
- Mas nós sempre conversamos!
De fato, sempre era sempre mesmo, sem exageros. Mas as conversas se baseavam na ilusão de que ambos eram felizes. Jorginho era atencioso, dedicado...
- O namorado perfeito! – comentavam as amigas.
Para Marina, perfeição sim era palavra digna de qualquer exagero, e neste ponto há quem possa concordar cegamente com ela.
Por acaso o segredo do amor não seria justamente apaixonar-se pelas imperfeições?
- Sempre conversamos, é verdade. – concordou ela. – Mas quero que você saiba de uma coisa agora!
- Droga! – exclamou Jorginho, fingindo braveza.
- Que foi?
- Como você adivinhou?
Ele abriu a terceira gaveta da sala e dela tirou um lindo colar. Pôs com carinho no pescoço de Marina.
- É lindo. – disse ela, sem querer falar mais nada.
O colar a sufocava. A vida, idem. Ela queria dizer a verdade, mas toda vez que tentava, Jorginho não a deixava falar.
- Amor, amor, amor...tive um sonho maluco com você esta noite. Nós estávamos em uma fazenda...Acho que era uma fazenda. Era noite escura e só enxergávamos com uma lamparina a...
- Jorginho, eu preciso dizer que...
- ...Cesa lá bem longe, e daí você enroscou o laço do seu cabelo numa árvore com folhas roxas...Da cor que você gosta, aliás, e depois nós...
E Marina ouvia, calada, o sonho doido do perdido Jorginho, que de nada bobo, não deixava sua amada falar o que ele não queria ouvir nem em seus piores pesadelos.
Foi por isso, por tudo isso, que um dia ela fez a mala.
Em silêncio, mas fez.
Quando ele chegou em casa, os armários estavam vazios. Não havia bilhete, rastros, nada mais nada.
Havia tão e somente o perfume dela, e mesmo isso ele sentiu em silêncio.
Nos dias que se seguiram, Jorginho passou a matraquear sozinho.
- Marina... – repetia ele várias vezes num mantra triste.
Por fim, imerso no silêncio que antes tanto temia, Jorginho voltou a se apaixonar. Era amor próprio, substantivo por vezes mais custoso.
Muito de vez em quando é que ele tinha uma recaída e saía pela casa abrindo as gavetas, os armários, em busca de um quê.
Um bilhete. Uma roupa. Uma palavra. Ah, o que ele não daria por uma palavra?!
Mas ela foi embora, e as palavras foram junto.
Diego Gianni
(16/01/2010)