Rotulos

- Vovô...Posso fazer uma pergunta?

O velhinho de olhos bondosos olhou com doçura para o neto. Como amava aquele menino. Como explicar que não havia pergunta no mundo que ele não pudesse fazer, qualquer assunto que eles não pudessem conversar?

Ele sempre estaria ao lado do netinho. Para tudo. Para sempre.

 

- Mas é claro que pode, Toninho.

- Vovô...O senhor é mafioso?

 

Talvez eu devesse ter escrito que o velhinho tinha acabado de colocar na boca uma bala de menta quando o netinho lançou a infausta pergunta. A bala foi parar na garganta e o velho teve um acesso de tosse que durou aí uns bons cinco minutos.

Recomposto, olhou com firmeza para o neto e indagou com ressentimento:

 

- Mas que pergunta é essa?!

- O senhor é italiano, né?

- Filho de italiano!

- Ah. Entendi. Então seu pai que era mafioso?

- Não! Meu pai era um comerciante, assim como eu!

- Agora entendi. Mas por que ele teve que fugir da Itália e virar comerciante no Brasil?

- Meu pai...Fugiu da Itália?

- Ele estava jurado de morte?

- Não! Madonna! Mamma mia! Mas que coisa! De qual fonte de asneiras está jorrando este monte de tolices que estou ouvindo?

- Me falaram que todo italiano é mafioso.

- Mas quem foi que falou uma coisa dessas? Me diz o nome do desgraçado que eu...

 

Calou-se. Tentou se recompor. Estereótipos irritavam o velho. Detestava rótulos. Um dos homens mais brilhantes que já conhecera na vida era português. Um dos mais humildes, argentino. O mais bonitão, paraguaio.

 

- Você faz uma ideia errada do seu avô, bambino. – disse o velho com mágoa.

 

Estava realmente magoado. Por culpa dos rótulos, de repente todo pasteleiro tem que obrigatoriamente ser japonês?

Mas no caso dos italianos...Esta coisa toda da máfia é um clichê cruel, capiche? E é por culpa desse clichê idiota que milhares de italianos que vivem em outros países sofrem dos mais caricatos preconceitos.

 

- Desculpa, vovô. Di cuore, Dio mio!

 

Toninho explicou para o avô que um dia antes passou na TV “O poderoso chefão”. Os coleguinhas de escola assistiram e depois fizeram comentários sobre a máfia italiana, e que todo italiano é isso, todo italiano é aquilo...

 

- ...E como o senhor de vez em quando sai pra trabalhar de madrugada – continuou Toninho. – ...Quando todos estão dormindo, eu fiquei com a pulce atrás da orelha, capiche?

- Sei.

- Sem contar os amigos com cara de mau que o senhor tem. Eles estão sempre usando terno e chapéu e...

- Toninho. Senta aqui.

 

O velho pôs o neto no colo e explicou com calma sobre todo o sacrifício que fazia para levar a vida de um cidadão digno. Que em suas veias corria mais sangue brasileiro do que italiano. Falou de clichês, estereótipos e no fim Toninho estava quase chorando de remorso.

 

- Desculpa mesmo, vovô!

- Sem problemas, amigão. Agora vá brincar que o vovô tem que cuidar de algumas coisas.

- Te amo, vovô. – exclamou e saiu correndo para brincar coisas de criança.

 

O avô permaneceu ali, com o olhar perdido a observar o neto se afastar, um sorriso triste na direção dele. Triste sim, porque a situação ainda não estava esclarecida, estava muito da più o meno.

Pegou o telefone e fez uma ligação. Não grampeei a ligação, mas sei que ela terminou com a voz embargada do velho a dizer:

 

- O garoto sabe demais.

 

Rótulos são mesmo idiotas.

 

 

Diego Gianni

(26/07/2011)

 

 

 

 

 

 

 

 

 
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