Hoje eu vi....



Hoje vi um jovem drogado..., pobre ser que trazia escrita toda sua história no corpo e no seu comportamento.
Acreditei ver por detrás da sua figura estereotipada de hoje, o jovem inquisitivo de ontem, sem idéias muito claras nem definidas, mas com uma enorme curiosidade de “viver a vida”. Vi-o rodeado de companheiros que tentavam “fazer dele homem” oferecendo-lhe novas experiências. Vi-o entusiasmado face à possibilidade de evadir-se dos problemas diários, deixar de se preocupar por trivialidades tais como o estudo e o trabalho, e procurar por seu turno uma “lúcida visão de cores e sons extraordinários”...
Vi-o assustado antes de se aventurar naquilo que os seus companheiros lhe propunham, mas também o vi ceder para não lhes mostrar “covardia” ou “pouca honra”. E assim tudo começou.
Depois vieram uma série de idéias concomitantes, agravadas pelo costume de escapar de si próprio através da droga. Veio o desprezo por todos os seres que o rodeavam (e claro está pelos que não se drogavam) e, por fim, pela sociedade em que vivia. Veio a critica dura a todos os sistemas de ordem e à “moral repressiva” das famílias burguesas que não entendiam essas “maravilhas do espírito livre”.Veio o desapego por todo tipo de leitura, de conhecimento, de trabalho e de responsabilidade. E veio a “mania” de culpar toda a gente por não ter de comer nem poder sustentar-se de nenhuma forma sem cair nas “mentiras burguesas” do trabalho remunerado. E começou a troçar de toda a forma de fé e de sensibilidade.
E, sobretudo, veio a grande escravatura... Este pobre jovem que sonhava com a liberdade absoluta, fumando com o espírito de quem escapa das amarras da matéria, concebendo novos mundos ignorados no campo da imaginação, encontrou-se encurralado pela necessidade de uma droga física, concreta e indispensável para conseguir todas aquelas liberdades. Daí até à prostituição física, psicológica e moral não restava mais do que um passo: tinha de conseguir ser “livre” a todo o custo. E, todavia, ficou preso de si próprio, de uma necessidade artificialmente adquirida, de um mundo baixo e escuro onde todas as debilidades estão presentes.
Hoje vi-o como um boneco de trapo... Atravessava as ruas sem sequer olhar e ouvir as buzinas desesperadas dos automobilistas. Os braços dependurados ao lado do corpo, sem vida, e o olhos como que perdidos num olhar sem destino. Ia abstraído num sorriso entre triste e estúpido, pensando (se é que podia pensar) como podia escravizar-se um pouco mais para “libertar-se”
A visão deste jovem-velho encheu-me de tristeza, não a tristeza moral parva, das “coisas proibidas” ou da incompreensão dos problemas juvenis. Não: uma tristeza por todos os fracassos acumulados nesse pobre ser, por todos os sonhos queimados, por toda energia desperdiçada, por uma juventude que dificilmente podia encaminhar-se com felicidade a partir desse momento. Deu-me tristeza esse homem sem Deus, sem fé em ninguém que, porém, clamava com o seu gesto por algo firme para acolher, como um menino perdido no escuro. E eu estou na vida a tentar ver as coisas, ver para aprender, pedi a Deus com todas as minhas forças que não me deixasse ver tanta dor... Foi só um instante de egoísmo esta minha súplica. De imediato compreendi que, para não ver mais dor, devo trabalhar para solucionar as causas desta dor.
Os meus meios de solução são pobres e humildes: as minhas palavras e a minha caneta. Mas ofereço-as com a sinceridade de alguém que também é jovem e sabe de caminhos de libertação sem necessidade de criar artifícios para o corpo, mas dar, pelo contrário, asas à alma.
Délia S. Guzmán
Adaptação Rafael Leitoles Remer
 


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