A vida de Maroca




Suja.

É a palavra que melhor define o estado de espírito de Maroca. Dói tudo no corpo e na alma, primeiro no corpo, depois na alma. Muito além de mentir para si mesma a ponto de refletir o quanto a dignidade é relativa.

Suja, de corpo e alma.

E ali está Maroca, sentada na cama a olhar para a parede com os olhos vazios. A cama não é dela. A vida, nem parece que é. A parede não tem respostas.

Seu cabelo cheiro gostoso, ela acabou de sair do banho. É o terceiro banho do dia e não são nem seis da tarde.

A campainha toca. O som é estridente e Maroca tem um leve sobressalto. Odeia o som da campainha, com medo de odiar a si própria.

Maroca vai até a porta lentamente e espia pelo olho mágico. Sempre faz isso. Enxerga o vulto de um homem coçando os olhos. Suspira, abre seu melhor sorriso e abre a porta.

- Oi amor. – diz ela.

Ah, que vontade de sair correndo desta vida e embarcar numa outra! Qualquer outra!

- Maroca? – o homem pergunta, tímido.

- Euzinha. – responde pela fresta da porta. – Entra, amor. – arremata.

O estranho entra no quarto, ela só deixa de sorrir quando está de costas para ele. Mas os olhos, ah, os olhos nunca mentem.
Maroca se despe e deixa sobre a cômoda as roupas e sua ilusão vendida. Olha para o cliente, ele está se despindo. Sorri.

- Como vai ser? – ela pergunta.

O cliente fica em silêncio e tenta sorrir, constrangido. Ele é o quarto do dia. De mais um dia da sua vida. Mas que vida, que vida?

- Você beija na boca? – o homem pergunta. Maroca tenta esconder o quanto a ideia a repudia. Ele parece ser limpo e até que é bem apessoado. Mas beijo na boca é amor - ao menos mais próximo do amor.
Que amor?

Eles se beijam e deitam sobre a cama de lençol azul. Os olhos de ambos estão fechados.

- Eliana. – ele sussurra.

- É como você quer me chamar? – pergunta Maroca.

Ele não responde e a beija novamente. Droga de quarto, preciso de uma cortina melhor.

“Amor” consumado, o estranho veste a calça amarrotada com uma rapidez desastrada e paga Maroca.
Na porta, ela diz de forma teatral (como sempre):

- Volte sempre, amor.

- Volto sim. – responde o cliente.

Sabe lá se ele vai voltar.

Maroca fecha a porta, vai até o banheiro e se mira no espelho. Longamente. Quem diabos é aquela estranha?

Liga o chuveiro e deixa o vapor inebriá-la. Esfrega os poros do corpo com força, lava o cabelo com fúria, se espreguiça com raiva contida, suja, suja, suja!

Senta na cama e folheia um velho amigo, ficção de amor com final feliz.

A campainha toca.

O som é estridente.


Diego Gianni
(27/10/2011)
Última atualização em Qui, 10 de Novembro de 2011 11:22
 


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