O estrangeiro



Vim para Curitiba aos sete anos de idade. Era 1.989, o país se ocupava da vitória do suposto príncipe caçador de marajás e eu estava preocupado com minhas próprias coisas de criança.

Lembro-me bem de alguns rumores que existiam sobre esta cidade. Avisaram minha mãe de que “era uma cidade sem pichações nos muros”.

E havia muitas, muitas araucárias.

Também tenho a imagem viva em minhas memórias do avião quase pousando. Lá no céu, olhei pela janelinha e minha mãe comentou: “olha quanto verde...”.

Foi a capital de São Paulo que deixamos para trás. De início, íamos de lá para cá e vai e volta, até que finalmente ficamos e fincamos raízes.

Era de fato um mundo diferente. Basta passar os primeiros de vida na grande São Paulo para conseguir sentir, nitidamente, o quanto é diferente ir para outro lugar.

Curitiba parecia um planeta vizinho, com seus habitantes de voz meio cantada e palavras próprias.

Na escola primária, não era mais “estojo”, era “penal”. E a escola não era grande como a que eu cursara o primeiro ano em São Paulo. Era um sobrado e vez ou outra aparecia uma aranha marrom perambulando pelas paredes de um branco azedo.

Das coisas que eu trouxe comigo, havia uma carta de meus coleguinhas do colégio que ficara para trás. Uma folha de papel almaço com a assinatura de todos e a palavra saudades ecoando em todas as linhas – como se realmente eu tivesse partido para outro planeta, em outra galáxia lá pros cantos do Paraná.

Nos anos que seguiram, eu nunca deixei aquela sensação de “ser alguém de São Paulo”. Quando chegava as férias e eu voltava para minha terra natal, ouvia meus parentes brincarem: “veja só! Você já está falando cantado!”. Mas ao voltar para Curitiba, ouvia o contrário: “você é paulista, né? Percebi pelo sotaque.”.

Outra lembrança que guardo da infância em Curitiba, nem sei bem a razão, é de um dia estar brincando com meu irmão no parque São Lourenço - sob os olhos vigilantes de minha mãe - e Jaime Lerner passar por nós correndo, fazendo cooper, sorrindo e acenando pra nós. Ele corria sozinho, vestindo um moletom escuro. Minha mãe sorriu, achou graça e comentou: “vê lá se em São Paulo a gente ia ver o prefeito correndo sem os seguranças no parque Ibirapuera!”.

Era uma Curitiba já grande, já bem falada pelo Brasil, sem pichações nos muros, sem centenas de maloqueiros pelas ruas, sem a efervescência dos prédios em construção, sem gente pedindo dinheiro nos semáforos, sem tanta pobreza, sem tanto vandalismo, sem tanta coisa que existe nas metrópoles e os que delas saem não sentem falta nenhuma.

Percebo com melancolia que Curitiba está cada vez menos Curitiba. Essa melancolia vem de alguém que não mais se sente um estrangeiro nesta terra de quatro estações por dia. Tornei-me um daqueles chatos que não vêem o progresso com bons olhos, porque progresso em demasia só faz mesmo é regredir as coisas boas.

Mas é a vida, não? O mundo está superlotando, todas as cidades estão crescendo. Curitiba não pode parar no tempo, eu sei disso. Mas também sei o quanto seria bom que o tempo parasse quando as coisas estão bem. Egoísmo? Pode ser.

Posso dizer que hoje, quando vou para São Paulo e entro num daqueles metrôs lotados, sinto vontade de voltar para Curitiba...

Refiro-me aquela Curitiba que se perdeu no tempo. Ela não existe mais. Meus avós passaram por essa mesma sensação vendo São Paulo crescer, e até hoje meu avô comenta que deveria ter vindo para Curitiba quando era jovem. “Agora não consigo me imaginar saindo de São

Paulo”, diz ele.

E nem eu de Curitiba.

Passei a ter a sensação de não ser mais estrangeiro quando, simplesmente enfrentando uma fila para comprar pão, lá em São Paulo, notei que os estranhos que ali estavam papeavam uns com os outros. Puxavam assunto. Sorriam, nem que fosse pra resmungar alguma coisa. E eu ali, olhando torto pra eles, sem vontade alguma de entrar no assunto, puxar conversa, sorrir ou sequer olhar na direção de alguém.

“Ó céus”, concluí.

Eu sou curitibano.




Diego Gianni
(22/10/2011)


Última atualização em Qui, 10 de Novembro de 2011 11:23
 


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