Platéia

Neste preciso momento há um joão-de-barro construindo seu ninho em forma de forno sobre um poste em Curitiba.

Simultaneamente, um pinheiro no Parque Nacional de Fulufjället, na província de Dalarna, tomba depois de existir por 9.550 anos.

Quando o pinheiro faz um baque surdo no solo, uma menina de 12 anos chamada Annetje sopra uma velinha de aniversário dentro de seu humilde casebre em Amsterdam.

Em Tókio, todos dormem.

E assim é a vida. A maior parte das coisas que sabemos existir, existem porque sabemos, assim como a maioria das coisas existem sem sabermos que um dia existiram.

Para as coisas existirem, não há a menor necessidade de consentimento. Você existe independentemente dos outros saberem que você existe. Você morre e só lamenta quem sabia que você existia.

Ser humano é uma espécie interessante nesse sentido. É o único, a princípio, a saber que as coisas existem – mesmo não sabendo de onde elas vieram e muito menos para onde elas vão, se é que vão. Cães e gatos dormem tranquilamente no tapete da sala, sem sequer desconfiarem de que um dia não existirão mais.

Mas o ser humano é um bicho amaldiçoado, pois sabe que existe, e sabe que não basta existir. É preciso ter algum significado. Uma vida sem propósito resulta no sentimento de uma existência fútil. Por isso, existir dói.

Poemas foram escritos sobre isso, dores sobre um mundo de papel clamando por simplesmente não ser, não existir. Temos total desconhecimento sobre o que é não existir. O mais próximo que nos aproxima disso, talvez, é o momento do sono. Quando estamos dormindo e não estamos sonhando, vivemos a sensação de não existir. Evidentemente que não há lembranças disso ao acordar. Mas por algumas horas, estávamos bem ali, sem consciência alguma de que algo existe. Que nós mesmo existimos.

Morremos durante a noite. Por algumas horas. Não é uma sensação que possa ser experimentada, apesar de ter cheiro de nada. Nada também é um cheiro. O vazio também é uma cor.

Agora imagine se nós, enquanto única espécie condenada a raciocinar, de repente não existirmos mais. Supondo que estejamos sozinhos neste universo, não haverá mais ninguém vivo para saber que a vida existe. As outras criaturas continuarão vivendo (imagino que muito melhor sem a nossa presença), continuarão desfrutando um raio de sol sobre a pele, o gosto da chuva e tudo o que a vida tem a oferecer. Mas não saberão que existem, muito menos que a vida existe.

O joão-de-barro. O pinheiro. A garotinha em Amsterdam. Existem e não existem ao mesmo tempo, pois enquanto você não souber deles, eles não existem. Estamos todos vivos e mortos ao mesmo tempo e a realidade não é apenas uma.

Deus tanto pode existir como não pode, permanecendo um mistério para nós. O mistério sempre abre possibilidades.

A vida só existe porque sabemos que existe. Sem nós, as cortinas se fecham e não há mais platéia. A vida continua a ser vida quando não há mais ninguém?

Claro que a própria vida não precisa de consentimento, muito menos humano. Mas não consigo deixar de pensar que em algum ponto do universo há alguma inteligência que nos desconhece. Não sabe que estamos aqui, a não ser, quem sabe, por mera suposição.

Também somos mistério. Tudo é possível enquanto brincarmos de existir.

 

Diego Gianni

(06/09/2011)

Última atualização em Qui, 10 de Novembro de 2011 11:23
 


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